HAITI: Saiba como as gangues se tornam mais organizadas e bem armadas do que a polícia
As gangues são um fenômeno de longa data no Haiti. Segundo um relatório da ONU, hoje há influência de politicos e de ‘atores financeiros’ nas atividades desses grupos criminosos.
As gangues do Haiti se profissionalizaram e hoje dispõem de maior poder de fogo que a polícia. Os grupos atuam em dois tipos de crime:
- Tráfico de drogas e outros produtos.
- Sequestros para cobrar resgate.
Na noite de sexta-feira (8), ocorreram disparos esporádicos na capital, Porto Príncipe. Os moradores da cidade buscavam refúgio para escapar da atual onda de violência.
Grupos armados e política
De acordo com um relatório da ONG Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional, “as gangues são um fenômeno de longa data no Haiti. Elas estão ligadas a uma tradição de grupos armados não estatais que remonta aos anos 1950, com o desenvolvimento dos ‘tonton macoutes’ do presidente François (Papá Doc) Duvalier”.
Entre 1957 e 1986, o ditador “Papá Doc” e depois seu filho, Jean-Claude Duvalier, submeteram a população ao controle total dessa milícia pessoal.
No início dos anos 2000, houve uma nova versão dos “tonton macoutes”: as “chimeres”, apoiadores armados do então presidente Jean-Bertrand Aristide. As “chimeres” semeavam o terror na população.
Os especialistas da ONU responsáveis pelo monitoramento das sanções contra os líderes das gangues afirmam em seu último relatório, de setembro de 2023, que hoje “a influência dos políticos e dos atores financeiros nas atividades das gangues é de caráter sistêmico”.
Cada vez mais profissionais
O documento da ONU estima que no Haiti atuam 200 gangues, grupos organizados que utilizam “armas de fogo sofisticadas” e se dedicam ao “tráfico de armas ou drogas, extorsão, sequestro, assassinato, violência sexual e desvio de caminhões”.
Aproximadamente 23 gangues atuam na capital e controlam 80% do território.
Elas estão agrupadas em duas coalizões principais envolvidas em guerras territoriais:
A “Família G9”, liderada por Jimmy Chérizier, conhecido como “Barbecue” (churrasco em inglês).
O G-Pèp.
Vários de seus líderes se uniram para os ataques dos últimos dias contra locais estratégicos do país, exigindo a renúncia do primeiro-ministro Ariel Henry.
Robert Fatton, da Universidade da Virgínia, afirma que “unir-se é a única maneira de as gangues terem uma influência em larga escala sobre o que está acontecendo agora no país e no desenvolvimento do próximo governo”, mas que dificilmente essa aliança se manterá a longo prazo.
Potencial de fogo
A missão de paz da ONU (Minustah), implantada entre 2004 e 2017, obteve alguns sucessos contra as gangues, mas depois elas consolidaram seu poder, tanto em número de armas quanto em calibre.
“Eles possuem arsenais cada vez mais sofisticados e seu poder de fogo supera o da polícia”, dizem os especialistas da ONU.
Embora as pistolas e rifles semiautomáticos continuem sendo as armas mais utilizadas, eles também têm metralhadoras leves e balas de ponta oca.
Alguns aumentaram suas capacidades táticas, recrutando ex-soldados ou policiais, enquanto outros usam drones para identificar potenciais vítimas de sequestro ou controlar o território.
Recrutamento nos bairros mais pobres
Cinco líderes de gangues estão sujeitos as sanções da ONU (proibição de viagens, congelamento de ativos, embargo de armas). Veja abaixo a identidade de três deles:
- “Barbecue”, uma das figuras proeminentes da violência nos últimos dias, é provavelmente o líder da gangue mais poderosa, composta por muitos ex-policiais, como ele.
- Johnson André, conhecido como “Izo”, líder da gangue 5 Segond e membro da aliança G-Pèp, “desempenha um papel cada vez mais influente”, recrutando jovens dos bairros pobres em troca de dinheiro ou comida, de acordo com a ONU.
- Vitelhomme Innocent, líder do Kraze Barye, um dos 10 fugitivos mais procurados pelo FBI dos Estados Unidos, que oferece dois milhões de dólares por informações que levem à sua captura.
Extorsão
Segundo a Iniciativa Global, a extorsão é a principal fonte de renda dessas gangues, que exigem dinheiro das empresas em troca de sua proteção e cobram “pedágios” dos veículos que circulam pelas estradas que controlam.
Para sair ou entrar em Porto Príncipe, “é preciso estar disposto a pagar um imposto criminoso oficial ou arriscar a própria vida”, disse Ulrika Richardson, coordenadora humanitária da ONU no Haiti.
O sequestro “se tornou uma indústria que gera milhões de dólares por ano”, afirma a ONG.
Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, desde 2021 o país também tem experimentado um aumento no tráfico de armas, provenientes principalmente dos EUA.
O Haiti continua sendo, ao mesmo tempo, um território “de trânsito de drogas, principalmente cocaína e cannabis”.